“Quando falamos da ocupação de mulheres negras em cargos de liderança, o movimento é ainda muito mais lento”, pontua doutora em Educação

Nesta quarta-feira, 20 de novembro, é celebrado o Dia da Consciência Negra, uma data instituída para incentivar a reflexão sobre a contribuição da comunidade negra para o Brasil. A pedagoga e doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Adriana Dias de Moura, 46 anos, residente em Belém, aponta observações importantes no que se refere à participação da mulher negra na sociedade.

 

Como você observa as mudanças na sociedade com relação às oportunidades de mulheres negras em postos de liderança?

Não se pode negar que tem ocorrido mudanças na sociedade brasileira quanto a ocupação de mulheres em cargos de lideranças. Por exemplo, em 2024 o número de prefeitas eleitas chegou a 15% do total de municípios. É um avanço lento, mas um avanço. No entanto, quando falamos da ocupação de mulheres negras em cargos de liderança, o movimento é ainda muito mais lento. Apenas 1 em cada 26 mulheres negras que disputaram um pleito eleitoral conseguiram se eleger. Pesquisas apontam que mulheres negras representam apenas 10% em cargos de lideranças, em 81% das empresas brasileiras. Ou seja, temos um percentual de 19% de empresas que sequer tem uma mulher negra em cargo de liderança. No setor público não muda muito, esse percentual chega a 15%.

Para uma mulher negra chegar a um cargo de liderança ela precisa estar muito bem qualificada, apresentar requisitos que boa parte dos homens e mesmo outras mulheres brancas ocupando os mesmos cargos, em geral, não têm, ou não é requisito.

Você poderia apontar quais formas de incentivar ainda mais a valorização da força de trabalho da mulher negra?

Uma forma de incentivar e valorizar a força de trabalho da mulher negra brasileira é remunerando de forma justa o trabalho que é desenvolvido por uma grande parte dessas mulheres, tirando-as da informalidade e pagando corretamente pelo serviço contratado, pois muitas dessas mulheres acumulam funções, como a de doméstica e de babá e/ou cuidadora.

Outra forma de incentivar é com a remuneração de forma igualitária, entre homens e mulheres, especialmente, mulheres negras que ainda ganham menos que mulheres brancas. Estabelecer padrões de exigências compatíveis à situação socioeconômica dessas mulheres negras e oferecer oportunidades de crescimento profissional em serviço, dentre outras.

Oferecer políticas de assistência, como a creche e assistência saúde, para que as mulheres possam trabalhar com tranquilidade sabendo que os filhos estarão bem assistidos e cuidados.

Reconhecer a competência e capacidade das mulheres negras, que tem a mesma qualificação e tempo de serviço que os demais, no setor privado ou público, para assumir os cargos de liderança.

Proporcionar formação em equidade de gênero para homens e mulheres a fim de promover a equidade nas relações interpessoais e melhorar o ambiente de trabalho para todas.

 

Quais os principais desafios, em sua opinião, que as mulheres negras enfrentam hoje para se posicionarem no mercado de trabalho?

Os principais desafios enfrentados pelas mulheres negras ainda são o racismo estrutural, o machismo e a misoginia que permeiam o pensamento e as ações da sociedade brasileira, que subalterniza as mulheres, em especial, as negras, determinando “lugares possíveis” para essa mulher e limitando as suas oportunidades e possibilidades de atuação.

Para além dessa questão mais estrutural, as mulheres negras também são, em sua maioria, as responsáveis/mantenedoras do lar, assumindo responsabilidades múltiplas e muitas vezes não contam com uma rede de apoio familiar ou mesmo do Estado como, por exemplo, políticas públicas de assistência, de creche, dentre outros, dificultando que essa mulher negra consiga prosseguir nos estudos, fazer um curso de aperfeiçoamento, de língua estrangeira, entre outros, para se colocar na disputa de igual para igual.

 

Como você considera o papel do poder público na promoção de práticas antirracistas e na equidade de gênero?

O poder público tem um papel fundamental na elaboração de políticas públicas que olhem para as especificidades dessas mulheres negras, a exemplo do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, programas de distribuição de renda como o Bolsa Família e o Pé de Meia, que auxiliam as mulheres mais pobres, que por sua vez, são negras, na perspectiva de quebra de ciclos, possibilitando aos filhos dessas mulheres terem acesso à moradia e à educação com permanência, pensando em processos a longo prazo.

Mas o poder público pode e deve avançar ainda mais, com políticas públicas voltadas especificamente para as mulheres negras, com delimitação, por exemplo, de percentual mínimo de mulheres negras ocupando cargos de lideranças, de vagas em determinados concursos, com políticas de aperfeiçoamento para a população negra, dentre outras.

 

Da Redação